sábado, 2 de novembro de 2013

Então e a filosofia não depende da opinião de cada um?


Existe uma ideia que tem tanto de comum como de errada de que a filosofia não se define, pois depende da opinião de cada pessoa. Se o Asdrúbal passar uma rasteira ao Aníbal, algumas pessoas vão pensar que o Asdrúbal foi injusto com o Aníbal e outras vão ainda pensar que o Asdrúbal fez muito bem e foi muito justo, pois o Aníbal andava a merecê-las. Segue-se daí que não exista um conceito de justiça que esteja para além da opinião das pessoas? Claro que não.
Se alguém te dissesse que é cientista e tem uma opinião para resolver um problema, provavelmente acharias estranho, pois sabes bem que as teorias dos cientistas não resultam das opiniões pessoais dos cientistas, mas são o resultado da sua investigação sistemática e do seu estudo com a equipa de cientistas. E o mesmo acontece com a filosofia. O que os filósofos fazem é muito mais do que dar a sua opinião sobre um problema. O que eles fazem é tentar avançar teorias que resolvam problemas. Ora, isto é muitíssimo mais do que dar a sua opinião. Claro que muitas das teorias dos filósofos e dos cientistas para resolver problemas partem das suas próprias opiniões sobre os problemas. Mas fazer teorias é muito mais elaborado que dar opiniões. A diferença é que quase sempre damos opiniões sem estudar, mas não podemos fazer teorias minimamente aceitáveis sem estudar. É talvez por isso que, em ciência, por exemplo, se nos perguntam se deixarmos cair um livro e uma bola de papel ao mesmo tempo, qual é o que cai primeiro, dizemos que é o livro pois é mais pesado. Se fizermos a experiência, o que verificamos é que a nossa opinião estava errada. E o mesmo sucede na filosofia. Se nos perguntarem se os animais têm direitos como têm os seres humanos, dizemos que não. Mas se investigarmos um pouco, estudando cuidadosamente algumas teorias dos filósofos, começamos a pensar que a nossa opinião possa estar errada, pois há boas teorias que nos dão boas razões para pensar o contrário do que era a nossa opinião.
Desfazer esta confusão é essencial senão os alunos que iniciam o seu estudo de filosofia no 10º ano pensam que vão para as aulas apenas dar a sua opinião pessoal sobre os problemas.
A diferença principal que nos interessa aqui saber entre filosofia e ciência, é que ao passo que uma boa teoria em ciência gera consenso na comunidade de cientistas, isso é mais difícil acontecer na filosofia. Em regra temos várias teorias que se disputam entre si. Mas isto não acontece porque os filósofos sejam tipos teimosos e que lhes apetece passar o tempo a contradizer os outros filósofos. Isto acontece porque os problemas da filosofia são difíceis de resolver. É difícil saber, por exemplo, qual a coisa certa a fazer do ponto de vista moral, ou saber se é possível ter uma boa definição de arte, ou saber se os números possuem uma existência real como pensamos que possuem quase todos os outros objectos.
Isto por si só exige um estudo muito sério das teorias dos filósofos e ao mesmo tempo, devagar, começamos também nós próprios a tentar resolver esses problemas. Esta é a natureza da filosofia. Mas para a fazer é preciso muito mais do que nos sentar numa cadeira numa aula de filosofia e dizer a primeira coisa que nos apatece sobre os problemas. Para isso não precisávamos das aulas de filosofia, pois é isso mesmo que fazemos todos os dias na mesa do café com os amigos. Quando estamos a conversar passamos em revista muitos dos problemas da filosofia, isto porque eles são fundamentais para a vida dos seres humanos. Assim, damos opiniões sobre justiça e injustiça, o certo e o errado, o belo e o feio, a existência de divindades, etc. pelo contrário muito raramente falamos da lei da gravidade, ou da massa dos objectos, etc. isto porque a ciência anda à nossa volta, mas não são problemas que preocupem as pessoas no seu dia a dia. Talvez isso seja assim porque não sabemos fazer ciência. Mas sabemos mais ou menos argumentar. E por isso achamos que isso basta para fazer filosofia, como se saber fazer contas bastasse para fazer de nós matemáticos. Tal como em matemática é interessante fazermos exercícios, também o mesmo acontece na filosofia.
Em conclusão: é por isso que a definição de filosofia não depende da opinião de cada um, mas do estudo sistemático e atento da própria filosofia e das teorias dos filósofos. De resto, como aprendeste nas aulas de filosofia podemos não conseguir uma definição explícita (por meio de condições necessárias e suficientes) de filosofia, mas também não temos definições explícitas da maioria das coisas à nossa volta. Daí não se segue que:
a)      Não podemos definir implicitamente a filosofia, fazendo-a, por exemplo.
b)      Não a possamos caracterizar em 2 ou 3 minutos.

Segue-se daqui que é errado pressupor que a filosofia depende da opinião de cada um. 

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