quarta-feira, 9 de novembro de 2011


Muita tinta discorre no nosso tempo sobre a excelência, principalmente quando pensamos na educação que devemos dar às nossas crianças e jovens. Grayling, no seu livro traduzido para português (Gradiva, 2002), por Fátima ST. Aubyn, tem um texto sobre a excelência que traduz também um bom argumento em defesa da excelência. Creio que é um bom mote para pensar, quer para pais, estudantes, professores e demais interessados neste problema. Reproduzo aqui o texto.


Excelência
O igualitarismo acrítico representa uma ameaça à excelência, vista pelo homem democrático como uma causa facilmente eliminável de inveja e exclusão.
alexis de tocqueville
 
 
            Quando Matthew Arnold escreveu Culture and Anarchy, há mais de cem anos, definiu a procura da excelência no apoio à cultura como «chegar ao conhecimento, no que concerne todos os assuntos que mais nos interessam, do melhor que foi pensado e dito no mundo, e, através deste conhecimento, deixar fluir o pensamento novo e livre sobre as nossas noções e hábitos comuns». Matthew Arnold era inspector das escolas, um grande defensor do ensino superior, e acreditava na excelência do ensino como forma não apenas de prover a economia de pessoal habilitado como também de produzir uma sociedade culta que pusesse em prática o ideal referido na máxima aristotélica acerca da utilização culta do nosso lazer.
            Da China à França, todo o país que é ou aspira a ser desenvolvido tem um estrato educacional de elite que visa receber os estudantes mais dotados e oferecer-lhes a melhor formação intelectual possível. Na China, isto é feito desde tenra idade, havendo escolas especiais para as crianças mais inteligentes. Na França, o sistema das Hautes Écoles — universidades superiores o acesso às quais é ferozmente competitivo — selecciona os espíritos excepcionais e submete-os a uma disciplina rigorosa. Em todos os casos, o objectivo é realçar os melhores, por forma a obter a melhor qualidade nos domínios da ciência, da engenharia, do direito, na administração pública, na medicina e nas artes.
            Poucas pessoas poderão colocar objecções à base racional que se encontra por detrás disto. Exceptuam-se aquelas para quem a mediocridade universal constitui um preço que merece a pena pagar pela igualdade social. Mas há um perigo em que os meios meritocráticos para o cultivo da excelência podem incorrer: é como se, após o estabelecimento dos meios, o mérito, por si só, deixe de bastar, assumindo-se o dinheiro e a influência como critérios suplementares. Em muitos dos países do mundo — talvez a maioria —, o dinheiro e a influência são determinadores da progressão social, mesmo nos locais onde vigoram igualmente os critérios meritocráticos: na América, é necessário dinheiro para se obter vantagens sociais; na China, ajuda ser membro do Partido.
            Os ricos e bem relacionados não constituem o tipo de elite que um sistema educativo deveria encorajar. É fácil, para os jornais sensacionalistas e os políticos populistas, fazer uso pejorativo do termo «elite» para designar estas elites da injustiça — mas estes são igualmente rápidos a criticar os médicos, professores ou desportistas representantes do país que não correspondam às nossas maiores expectativas — se, em suma, eles não se revelarem, afinal, uma elite, no sentido correcto do termo.
            Embora existam poucas — a existirem algumas — democracias verdadeiras no mundo (a maior parte dos sistemas que reivindicam este título são oligarquias electivas), o espírito democrático, apesar disso, perpassa a vida ocidental, para o bem e para o mal. O bem reside na pressão que é feita no sentido de se tratar todas as pessoas de forma justa; o mal reside na pressão que é feita no sentido de tornar todas as pessoas idênticas. Este último constitui uma tendência de nivelamento, uma impulsão para baixo, à qual a excelência desagrada porque ergue montanhas onde o espírito democrático-negativo apenas deseja ver planícies. Mas a democracia não devia ter como objectivo reduzir as pessoas e os seus feitos a um denominador comum; devia visar elevá-las, ambiciosa e drasticamente, até tão perto quanto possível de um ideal. E isso significa, entre outras coisas, ter instituições, especialmente de ensino, que sejam as melhores e mais exigentes do seu género.
 

Sem comentários: