quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Será a greve o único recurso?

Ao contrário do que muitas pessoas hoje em dia pensam, a greve não é o único recurso possível para mostrar o desagrado ao poder político pelo contexto social. A desobediência civil é também um recurso, ainda que cada vez mais em desuso e muito mal interpretado pelos meios de comunicação social. Hoje em dia não falta bibliografia que informa as pessoas das vantagens e desvantagens da desobediência civil. Em língua portuguesa temos um verdadeiro tratado sobre a liberdade que é o Sobre a Liberdade de John Stuart Mill. Mas lembrei-me da ocasião de publicar aqui um excerto do capítulo do livro Elementos Básicos de Filosofia de Nigel Warburton, que mostra as vantagens e desvantagens da desobediência civil. Este livro tem uma edição recente e encontra-se facilmente em qualquer livraria.


Estudámos, até agora, as justificações para punir quem viola a lei. As razões para punir eram morais. Mas poderá alguma vez a violação da lei ser moralmente aceitável? Nesta secção, deito um olhar sobre um tipo particular de violação da lei que se justifica em termos morais: a desobediência civil.
            Algumas pessoas argumentam que a violação da lei nunca pode justificar-se: se não estamos satisfeitos com a lei devemos tentar mudá-la através dos meios legais, como as campanhas, a redacção de cartas, etc. Mas há muitos casos em que tais protestos legais são completamente inúteis. Há uma tradição de violação da lei em tais circunstâncias conhecida por desobediência civil. A ocasião para a desobediência civil emerge quando as pessoas descobrem que lhes é pedido que obedeçam a leis ou a políticas governamentais que consideram injustas.
            A desobediência civil trouxe mudanças importantes no direito e na governação. Um exemplo famoso é o movimento das sufragistas britânicas, que conseguiu publicitar o seu objectivo de dar o voto às mulheres através de uma campanha de desobediência civil pública que incluía o auto-acorrentamento das manifestantes. A emancipação limitada foi finalmente alcançada em 1918, quando foi permitido o voto às mulheres com mais de trinta anos, em parte devido ao impacto da Primeira Guerra Mundial. No entanto, o movimento das sufragistas desempenhou um papel significativo na mudança da lei injusta que impedia as mulheres de participar em eleições supostamente democráticas.
            Mahatma Gandi e Martin Luther King foram ambos defensores apaixonados da desobediência civil. Gandi influenciou decisivamente a independência indiana através do protesto ilegal não violento, que acabou por conduzir ao fim da soberania britânica na Índia; o desafio de Martin Luther King ao preconceito racial através de métodos análogos ajudou a garantir direitos civis básicos para os negros americanos nos Estados americanos do sul.
            Outro exemplo de desobediência civil está patente na recusa, por alguns americanos, de participar na Guerra do Vietname, apesar de serem requisitados pelo governo. Alguns americanos justificaram esta atitude afirmando acreditar que matar é moralmente errado, pensando por isso que era mais importante violar a lei do que lutar e possivelmente matar outros seres humanos. Outros havia que não objectavam a todas as guerras, mas sentiam que a guerra no Vietname era injusta e que sujeitava os civis a grandes riscos, sem nenhuma boa razão. A dimensão da oposição à guerra no Vietname acabou por conduzir os Estados Unidos à retirada. Sem dúvida que a violação pública da lei alimentou esta oposição.
            A desobediência civil corresponde a uma tradição de violação não violenta e pública da lei, concebida para chamar a atenção para leis ou políticas injustas. Os que agem nesta tradição de desobediência civil não violam a lei unicamente para seu benefício pessoal; fazem-no para chamar a atenção para uma lei injusta ou uma política moralmente objectável e para publicitar ao máximo a sua causa. Por isso é que estes protestos ocorrem habitualmente em lugares públicos, de preferência na presença de jornalistas, fotógrafos e câmaras de televisão. Por exemplo, um americano chamado para a guerra que deitasse fora a sua convocatória durante a Guerra do Vietname, escondendo-se de seguida do exército só por ter medo de ir para a guerra e por não querer morrer, não estaria a executar um acto de desobediência civil. Seria um acto de auto-preservação. Se agisse da mesma maneira, não por causa da sua segurança pessoal, mas por motivos morais, mas que no entanto o fizesse em segredo, não tornando público este caso de nenhuma forma, continuaria a não poder considerar-se um acto de desobediência civil. Pelo contrário, outro americano convocado para a guerra que queimasse a sua convocatória em público perante câmaras da televisão, comunicando ao mesmo tempo à imprensa as razões que o levavam a pensar que o envolvimento americano no Vietname era imoral, estaria a cometer um acto de desobediência civil.
            O objectivo da desobediência civil é, em última análise, mudar leis e políticas particulares e não arruinar completamente o Estado de Direito. Os que agem na tradição da desobediência civil evitam geralmente todos os tipos de violência, não apenas porque pode arruinar a sua causa ao encorajar a retaliação, conduzindo assim a um agravamento do conflito, mas sobretudo porque a sua justificação para violar a lei é moral, e a maior parte dos princípios morais só permite que se prejudique outras pessoas em situações extremas, tal como quando somos atacados e temos de nos defender.
            Os terroristas ou os combatentes pela liberdade (a maneira como lhes chamamos depende da simpatia que temos pelos seus objectivos), usam actos violentos com fins políticos. Tal como os que enveredam por actos de desobediência civil, também eles desejam mudar o estado de coisas existente, não para benefícios privados, mas para o bem geral, tal como este é por eles concebido; mas diferem nos métodos que estão preparados para usar para originar a mudança desejada.

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