sábado, 29 de agosto de 2009

Como é que ensino filosofia? Parte 3


Introdução ao programa

Até aqui foi só aquecer. Agora, talvez já na terceira aula, o trabalho é sério e para andar para a frente. Neste momento o estudante já reúne informação sobre como vai ser avaliado em filosofia e quais os principais pontos do programa. As primeiras aulas do 11º ano passamos muito tempo a recorrer a pré conhecimentos, mas se eles estiverem bem sólidos vamos recuperar com muita facilidade esse tempo. Por exemplo, se as primeiras aulas do 10º estamos a ensinar os instrumentos lógicos do pensamento, com as noções de proposição, premissa, conclusão, etc. no 11º é de esperar que os alunos tenham já uma noção sólida desses conhecimentos e, nesse caso, avançamos directamente para a acção. No caso do 11º ano há uma série de noções que temos de expor antes de avançar para a discussão filosófica propriamente dita já que iniciamos com o ensino a lógica. Mas em qualquer ano, 10º ou 11º convém o quanto antes passar para a discussão propriamente dita dos problemas já que é esse o objectivo da disciplina.

Este trabalho é muito variável já que ele depende também, e muito, dos alunos que temos pela frente. Por essa razão percebemos logo nesta fase inicial que vamos ter de fazer alguns ajustes nos programas de ensino (já que eles oferecem essa possibilidade).

Um dos melhores métodos que conheço para ensinar logo nesta fase inicial é passar o maior parte do tempo da aula que podemos com perguntas. Em vez de darmos uma definição de premissa perguntamos aos alunos se sabem o que é uma premissa. Podemos fazer perguntas espontaneamente, tais como:


“podem existir premissas sem conclusão?”,


“pode existir mais que uma conclusão para várias premissas?”,


“será que um argumento pode ter somente premissas?”,


“qual a necessidade de uma conclusão num argumento?”,


etc.


Há professores muito imaginativos no modo como colocam as perguntas, outros obedecem mais aos cânones e aos manuais, outros ainda navegam com tal facilidade na filosofia que inventam problemas e questões a toda a hora. Talvez a melhor regra a seguir nesta situação seja aquela que nos diz que o ensino não é uma tarefa mecânica de despejo de conhecimentos dos outros, mas um laboratório vivo de conhecimento e por isso temos de ser muito criativos. Nem sempre é muito fácil ser criativo. Ao fim de duas aulas seguidas de 90 minutos, se a turma que vier a seguir for muito barulhenta ocorre muitas vezes termos de deixar os alunos a ler em silêncio para nosso descanso também. Não há problema nenhum nisso. É bom para eles que raramente pegam num livro para ler e bom para o professor que está um pouco mais cansado nessa altura.

Mas a lição principal é esta, a mesma que aprendemos com Sócrates: temos de estar permanentemente a colocar problemas e questões. Não precisamos de mostrar erudição, mostrar que lemos 1000 livros na vida e dominamos grego e alemão. Quanto muito, essa atitude só vai criar reverência nos alunos e progressivo desinteresse pela disciplina. É aqui que o professor tem a oportunidade de mostrar o que é ser informal, mas sério e exigente. O professor de filosofia não conquista os seus alunos atirando-lhes palavras em grego para o caderno. O professor de filosofia tem oportunidades soberanas para cativar os estudantes a gostar e estimar a disciplina. Para tal, basta que tenha um gesto tão simples como virar-se para o aluno com ar intrigado e perguntar: “mas que razão ou razões te levam a pensar assim?”. Se relermos os diálogos de Sócrates – e todos os professores leram parte desses diálogos – notamos que Sócrates conduz a discussão na descoberta de respostas. Na maioria dos diálogos Sócrates passa mais tempo calado que os seus interlocutores. E isto acontece, como sabemos, porque Sócrates conduz o seu aluno numa descoberta que tem de ser auto descoberta. E estas primeiras aulas são decisivas para colocar em prática este desempenho filosófico. Claro que temos de ter consciência que a performance de um professor pode variar muito, razão pela qual temos também de contar com a nossa espontaneidade e experiência.

Mesmo com a minha experiência que já vai quase em década e meia de ensino, são ainda algumas vezes aquelas em que falho na aplicação do método nas primeiras aulas. Estudei no ensino formal, em que o professor é que dita a matéria a estudar. Aliás, nem habituo os meus alunos a chamar “matéria a estudar” em filosofia, mas antes “problemas a discutir”. Também eu ainda sofro de uma tendência a passar muito tempo a falar, muito expositivo. Mas é precisamente isto que é necessário corrigir e é bom estarmos conscientes que não corrigimos todos os defeitos num ano. Vamos corrigindo e aprendendo. A graça de um trabalho criativo como ensinar filosofia é precisamente essa.

2 comentários:

Anónimo disse...

O trabalho socrático ainda é e será o que justifica a filosofia no ensino secundário. Caro Rolando, não fiques por aqui, continua que eu estarei atento.

António Daniel disse...

Peço desculpa, mas o comentário foi anónimo.